Cianofóssil, 2018-2020

Série de cianotipias em papel Mix Media Canson A4.



As cianotipias são um dos desdobramentos da minha pesquisa com as pedras cariri, que apresentei pela primeira vez na Temporada de Projetos do Paço das Artes-SP 2018. Estes trabalhos também partem da minha observação do litoral da cidade que habito, Fortaleza, na qual os calçadões da Beira-Mar são revestidos com esta pedra. Em seguida, apresento o texto escrito por mim em 2017, que marca minha relação com essa história:

“A caminhada inicia aqui. Estamos na Beira-Mar, parte da orla de Fortaleza. O piso é de pedra cariri. Depois dos anos 70 e da praga do bicudo, a região do cariri perdeu o sustento provindo do algodão. Instalaram-se pedreiras cooperativas onde desde então exploram e vendem a tal da pedra cariri para construção a preços populares. É uma região rica em terreno calcário e fósseis de dinossauros e peixes. Abriga uma das maiores reservas paleontológicas do período cretáceo do mundo. Todos esses riscos e pontos no chão são fósseis. O indício que o sertão já foi mar deita à sua beira novamente. É um grande cemitério invisível que leva à outra carcaça (várias, aliás) mas esta em particular chama atenção. Dentre os estratos e camadas de tempo ali presente, símbolos do futuro pesam sobre os ossos duros e tecidos moles de vivos e mortos. Ao final do calçadão, logo depois da ponte metálica, a ruína de um aquário gigante ainda em construção a ser entregue num horizonte próximo. Além dos tempos, misturam-se naquela parte do litoral demasiados números. Chicletes que se decompõem em 5 anos, pisados por 500 mil turistas por ano, que arrastam as solas sobre fósseis de mais de 5 milhões de anos todos os dias, envolvidos pelo fantasma de aço, ferro e concreto de um aquário de 200 milhões de reais. Dinheiro e tempo aos milhões encontram-se ali, como a onda encontra a pedra.”

Nesta série, 12 cianotipias de fósseis de plantas em pedras cariri são justapostas. Por meio de uma conversa entre formas, tecem uma narrativa para além das silhuetas. Os tons de azul, linhas e corpo imagético conspiram um atravessamento de tempos e história. As sombras que restaram são lembranças tristes de um futuro próximo da nossa própria destruição, assim como os fósseis são as memórias da tragédia natural de um passado distante. Ambos são índices de um signo cuja pluralidade será escassa: os vegetais, primeiros habitantes a povoar a terra com frondosidade e a moldar a geografia para que a vida respirasse. Os fósseis encontrados por mim, durante caminhadas nas calçadas de Fortaleza, são algas e plantas aquáticas de um lago que sofreu uma intrusão marinha há 100 milhões de anos, matando toda a vida do lago e arredores. O local desse infortúnio encontra-se hoje na região do Cariri, no sertão cearense, uma das maiores bacias paleontológicas das Américas. Os fósseis chegam às calçadas do litoral através da exploração comercial dessas pedras calcárias para a construção civil.

As fotografias dos fósseis, assim como das sombras, emergem de um percurso corporal na cidade, mediante um olhar atento aos contextos aqui relatados. Com as cianotipias, quis evocar os primórdios da fotografia, quando a botânica inglesa Anna Atkins utilizava os processos químicos para produzir o que seria considerado um dos primeiros livros ilustrados por fotografia, a enciclopédia botânica "Fotografias de Algas Britânicas: Cyanotype Impressions” de 1843.